Nos últimos meses, o fim do PERSE — Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos — tomou conta do noticiário econômico e jurídico, trazendo insegurança para milhares de empresas que ainda enfrentam os efeitos da crise provocada pela pandemia. Anunciado oficialmente pela Receita Federal em março de 2025, o encerramento abrupto dos benefícios fiscais causou apreensão em empresários e operadores do Direito.
Neste artigo, vamos explicar de forma didática:
- O que foi o PERSE e por que ele acabou antes do prazo previsto;
- Quais os impactos práticos para as empresas que usufruíam dos incentivos;
- Como o Poder Judiciário tem se posicionado sobre o tema;
- E o que as empresas podem fazer diante da perda do benefício.
O que era o PERSE?
Criado pela Lei nº 14.148/2021, o PERSE surgiu como um alento para os setores mais afetados pela pandemia, especialmente o de eventos, turismo, cultura e entretenimento. O programa oferecia isenções de tributos federais por até 60 meses (cinco anos), incluindo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, desde que a empresa estivesse habilitada nos termos da lei.
O PERSE foi estruturado como um benefício fiscal temporário, com prazo definido, voltado à retomada da atividade econômica, evitando demissões em massa e o fechamento em larga escala de empresas.
Por que o PERSE foi encerrado antes da hora?
O PERSE passou por inúmeros questionamentos, desde a legalidade da exigência do CADASTUR, da não aplicabilidade às empresas do Simples Nacional, da regulamentação de alguns critérios através de portarias etc, tornando este programa talvez um dos mais questionados judicialmente. Após inúmeras controvérsias, que ainda estão em discussão no judiciário, em 2024 através da Lei nº 14.859/2024, foi fixado um teto de R$ 15 bilhões, alterando, portanto, a redação original do programa que não previa o citado teto.
Ocorre que, em março de 2025, a Receita Federal divulgou relatório oficial estimando que os incentivos fiscais concedidos já teriam alcançado o teto de R$ 15 bilhões. Com base nesses dados, o governo federal concluiu que o programa havia atingido sua capacidade orçamentária e determinou a suspensão dos benefícios para os períodos seguintes.
Quais os impactos práticos? A revogação do PERSE é legal? Entenda os questionamentos
Com a revogação prematura e imediata por conta do citado atingimento do teto de R$ 15 bilhões, as empresas beneficiadas anteriormente deverão pagar a recolher IRPJ, CSLL, PIS e COFINS a partir de abril de 2025, sofrendo a supressão de 24 dos 60 meses com benefícios fiscais garantidos pela legislação original do PERSE.
Esta ação impacta de forma brutal a reestruturação e recuperação destas empresas de setores que tinham sido atingidos severamente pelas restrições impostas pelo governo federal em razão da pandemia da COVID-19.
Do ponto de vista técnico, a principal questão recai sobre características intrínsecas do programa, quando comparada ao posicionamento do Poder Judiciário ao julgar outros benefícios fiscais.
O programa foi instituído pelo prazo certo de 60 meses, com a intenção de compensar os “…efeitos decorrentes das medidas de isolamento da Covid-19” e, portanto, “…mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública” reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6/2020 (Artigo 1º da Lei 14.148/2021).
Portanto, pode se observar que o PERSE foi indubitavelmente instituído sob condição clara e expressa no texto legal e por prazo certo, em absoluta consonância com o posicionamento recente do STJ que reconheceu que benefícios fiscais concedidos sob condições onerosas e por prazo certo, não podem ser revogados.
Assim, é natural que contribuintes e entidades representativas argumentem que a extinção prematura e imediata não está alinhada com o posicionamento do STJ, assim como, afronta princípios constitucionais, tais como:
- Segurança jurídica: empresas organizaram seus negócios com base em uma legislação em vigor, válida por cinco anos.
- Anterioridade tributária: a reoneração imediata, sem respeitar os prazos de noventena ou exercício seguinte, pode configurar violação ao art. 150, III, da Constituição.
Qual a posição do Judiciário acerca da extinção?
Diante do comunicado de março/2025, os contribuintes afetados começaram a ingressar com ações judiciais em diversos Estados, buscando liminares para garantir a continuidade do benefício fiscal ao menos até o final do exercício fiscal de 2025, ou, idealmente, até o prazo original de 60 meses.
As primeiras decisões são favoráveis aos contribuintes, reconhecendo que a alteração repentina da legislação tributária viola a estabilidade do ordenamento jurídico e afeta o direito adquirido de empresas regularmente habilitadas.
Diversas empresas e entidades representativas obtiveram decisões judiciais favoráveis à manutenção dos benefícios do PERSE até o prazo originalmente previsto, conforme estabelecido pela Lei nº 14.148/2021. Vamos a alguns exemplos:
- Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes): Obteve decisão favorável na 4ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, estendendo o benefício fiscal do PERSE até o esgotamento do prazo de 60 meses previsto na lei original (Processo nº 1027337-87.2025.4.01.3400)
- Empresas de Transporte de Passageiros por Fretamento: Duas empresas do setor obtiveram sentenças na 2ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR), garantindo o benefício fiscal até março de 2027, com base na ilegalidade da limitação imposta pela Lei nº 14.859/2024. (Processos nº 5006860-62.2024.4.04.7009 nº 5005757-20.2024.4.04.7009)
- Empresas de Organização de Eventos em São Paulo: Duas empresas obtiveram liminares para manter a alíquota zero de PIS, Cofins e CSLL até 1º de julho, e do IRPJ até 1º de janeiro de 2026, com base nos princípios da anterioridade anual e nonagesimal (Processos nº 5000974-93.2025.4.03.6130 e 5007873-03.2025.4.03.6100)
Essas decisões demonstram a atuação ativa dos contribuintes, buscando assegurar a continuidade dos benefícios fiscais concedidos pelo PERSE até o prazo originalmente estabelecido.
Conclusão: o que está em jogo
O fim prematuro e repentino do PERSE representa muito mais do que uma questão técnica de renúncia fiscal. Trata-se de uma importante discussão sobre o grau de segurança jurídica e previsibilidade do sistema tributário brasileiro.
Para o contribuinte, a mensagem deixada por esse episódio é clara: a proteção de seus direitos depende de atuação rápida e estratégica.
O que sua empresa pode (e deve) fazer agora?
Se a sua empresa foi afetada pela revogação do PERSE, é essencial adotar medidas jurídicas preventivas e corretivas. Veja algumas orientações:
- Reúna todos os documentos que comprovem sua habilitação no PERSE e o período de fruição do benefício.
- Verifique os impactos financeiros diretos com o fim do incentivo (aumento da carga tributária, prejuízo contratual, etc.).
- Avalie se há possibilidade de discutir a constitucionalidade da medida ou de garantir a aplicação das regras de transição.
A depender do caso concreto, é possível buscar medidas visando o restabelecimento do benefício fiscal até o fim do prazo original.
Autores:
Roxeli Martins André – Sócia da Trust Tax
Maurício Fernando Stefani – Sócio da Trust Tax